Você sabe acolher a ferida da sua criança interior?
A criança interior representa o olhar infantil que carregamos dentro de nós. Ela representa as dores e os aprendizados que adquirimos na infância, é um pedacinho da nossa personalidade. Dentre tantos outros arquétipos que temos na nossa psique - como a pessoa adulta, a anciã, o pai, a mãe - temos também a criança. E cada um desses arquétipos tem seu momento de destaque e sua função para regular nosso organismo. A criança fala sobre nossas carências, sobre nossas expectativas, nossos sonhos, nossos desejos, nossa criatividade e nossa autenticidade no mundo.
Dessa forma, a ferida da criança interior é construída a partir de traumas e conflitos não resolvidos que vivemos na infância e levamos para a vida adulta. Por exemplo: uma pessoa que se sentiu abandonada na infância pode se tornar um adulto carente, que exige muita presença em suas relações - uma presença que se torna exaustiva. Assim como uma criança que chama a atenção dos cuidadores para se sentir enxergada. Essa pessoa pode também pular para o polo oposto: se tornar a pessoa que não precisa de ninguém; que dá conta de tudo sozinha; que abandona o outro antes de ser abandonada. Como uma proteção para não vivenciar a dor do abandono novamente. Percebemos então que a ferida da nossa criança interior se reflete nas nossas relações atuais. Ela se manifesta nas expectativas que criamos sobre as pessoas e no nosso comportamento dentro da relação. Isso é natural e até esperado, pois não existe ninguém que saia da infância sem algum tipo de conflito.
Existem algumas pessoas com histórias marcadas por traumas mais violentos como negligência, abusos e agressões. Enquanto outras pessoas tiveram uma infância dita saudável. Em ambos os casos a criança terá seus conflitos e dores, porque a dor e o desconforto são inerentes à experiência humana.
O problema é que se não tomamos consciência desse processo, projetamos nossos conflitos internos nas relações que vivemos hoje. Esperar do meu chefe o reconhecimento e a validação que não tive do meu pai pode ser um caminho para a frustração. Bem como esperar que minha parceria romântica cuide de mim como eu gostaria que minha mãe me tivesse cuidado pode ser uma exigência injusta e gerar conflito.
Como construir relações saudáveis então?
O primeiro passo é olhar para as feridas da minha criança, para as dores que carrego e entender como as projeto em minhas relações. Segundo, tomar conhecimento de que tudo o que eu espero do outro, eu posso - e devo - eu mesma me oferecer. O reconhecimento, a validação, o cuidado e o amor que espero frustrantemente que venham do lado de fora é de minha própria responsabilidade me oferecer. Pois assim, posso perceber que é muito bom me sentir amada e cuidada por outra pessoa, mas que não é obrigação dela fazer isso e sim meu compromisso.
Então quando alguém não puder me oferecer aquilo que busco, não me sinto mais injustiçada ou agredida. Entendo que é algo que aquela pessoa não tem para me oferecer. Sabendo disso, sou livre para escolher nutrir ou interromper a relação, enxergando a pessoa real com quem me relaciono e não mais as minhas expectativas sobre ela.
Por maior que seja a sua dor, ela tem cura e pode estar mais perto do que você imagina.
Flávia Barros
Doula e Psicóloga.
Comments